sábado, 16 de agosto de 2008

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 3ª edição. Tradução: Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra. 2003

Tabus significam, a meu ver, representações inconscientes ou pré-conscientes dos eventuais candidatos ao magistério, mas também de outros, principalmente das próprias crianças, que vinculam esta profissão como que a uma interdição psíquica que a submete a dificuldades raramente esclarecidas.98

De uma maneira inequívoca, quando comparado com outras profissões acadêmicas como advogado ou médico, pelo prisma social do magistério transmite um clima de falta de seriedade. Além disso, a sociologia acadêmica e da educação pouco atentaram para a distinção que a população estabelece entre disciplinas com prestígio e desprestigiadas: entre as prestigiadas listam-se a Jurisprudência e a Medicina... 99

Nesta medida, conforme a percepção vigente, o professor, embora sendo um acadêmico, não seria socialmente capaz; quase poderíamos dizer: trata-se de alguém que não é considerado um “senhor”, nos termos em que este termo é usado no novo jargão alemão, aparentemente relacionado à alegada igualdade de oportunidades educacionais. 99

De um lado, o professor universitário como a profissão de maior prestigio; de outro, o silencioso ódio em relação ao magistério de primeiro e segundo graus; um ambivalência como esta remete a algo mais profundo. 99

Haveria nisso a influência do tardio desenvolvimento burguês, da longa sobrevida do feudalismo alemão que não era propriamente afeito ao espírito, e que gerou a figura do mestre da escola como sendo um serviçal. 101

Conforme o sentido dessas imagens, o professor é um herdeiro do scriba, do escrivão. 101

Movidos por rancor, os analfabetos consideram com sendo inferiores todas as pessoas estudadas que se apresentam dotadas de alguma autoridade, desde que não sejam providas de alta posição social ou do exercício de poder, com acontece no caso do alto clero. O professor é o herdeiro do monge; depois que este perde a maior parte de suas funções, o ódio ou a ambigüidade que caracterizava o oficio do monge é transferido para o professor. 102-3

Os juristas e os médicos não se subordinam àquele tabu e são igualmente profissões intelectuais. Mas estas constituem o que se chama hoje de profissões livres. Subordinam-se a disputa concorrencial; são providas de melhores oportunidades materiais, mas não são contidas e garantidas por uma hierarquia de servidor público, e por causa dessa liberdade gozam de maior prestígio.103

Por sua vez, os juízes e funcionários administrativos têm algum poder real delegado, enquanto a opinião pública não leva a sério o poder dos professores, por ser um poder sobre sujeitos civis não totalmente plenos, as crianças. 103

O aspecto mágico da relação com os professores parece se fortalecer em todos os lugares onde o magistério é vinculado à autoridade religiosa, enquanto a imagem negativa cresce com a dissolução dessa autoridade. 104

Ao que tudo indica, o êxito como docente acadêmico deve-se a ausência de qualquer estratégia para influenciar á recusa em convencer. 104

Mesmo após a proibição dos castigos corporais, continuo considerando este contexto determinante no que se refere aos tabus acerca do magistério. Esta imagem representa o professor como sendo aquele que é fisicamente mais forte e castiga o mais fraco.105

Quando a seguir o professor oferece aos estudantes a oportunidade de perguntar, procurando aproximar a aula expositiva de um seminário, ironicamente, há uma pouca reciprocidade por parte dos alunos. 106

Se eu tivesse que orientar investigações empíricas acerca do conjunto complexo do professor, então esta seria a primeira a me interessar. Ainda que em termos bastante brandos, repete-se na imagem do professor algo da imagem tão afetivamente carregada do carrasco. 107

Um professor que, como aconteceu em minha infância com um docente bastante humano, se veste de maneira elegante porque tem posses ou que, movido por orgulho acadêmico, ostenta comportamento que chama a atenção, imediatamente é ridicularizado. 108

A infantilidade do professor apresenta-se pela sua atitude de substituir a realidade do mundo ilusório intramuros, pelo microcosmo da escola, que é isolado em maior ou menor medida da sociedade dos adultos – reuniões de pais e similares são modos desesperados de romper este isolamento. Este é um forte motivo pelo qual a escola defende tão encarniçadamente suas muralhas. 109

Talvez seja por isto que professores que jogam futebol ou são bons de copo sejam tão populares com os alunos, na medida em que correspondem à imagem de mundanalidades deles; em meus tempos de colégio eram particularmente populares os professores que correta ou incorretamente eram considerados como tendo pertencido às corporações acadêmicas. 110

Triunfarão aqueles alunos que percebem no professor aquilo contra o que, de acordo com seu instinto, se dirige todo o sofrido processo educacional. Há nisto evidentemente uma crítica ao próprio processo educacional, que até hoje em geral fracassou em nossa cultura. 110

A pesquisa pedagógica deveria dedicar especial atenção à hierarquia latente na escola. 111

A criança é retirada da primary community (comunidade primária) de relações imediatas, protetoras e cheias de calor, frequentemente já no jardim-de-infância, e na escola experimenta pela primeira vez de um modo chocante e ríspido, a alienação; para o desenvolvimento individual dos homens a escola constitui quase o protótipo da própria alienação social. 112

A solução, se posso dizer assim, pode provir apenas de uma mudança no comportamento dos professores. Eles não devem sufocar suas reações afetivas, para acabar revelando-as em forma racionalizada, mas deveriam conceder essas reações afetivas a si próprios e aos outros, desarmando desta forma os alunos. 113

Sobretudo é necessário tratar aqueles pontos nevrálgicos ainda na fase de formação dos professores, em vez de orientar a sua formação pelos tabus vigentes. 114

Uma escola aberta ao exterior sem qualquer restrição provavelmente também abrira mão dos aspectos de formação e de amparo. Não me envergonho de ser considerado reacionário na medida em que penso ser mais importante às crianças aprenderem na escola um bom latim, de preferência a estilística latina, do que fazerem tolas viagens a Roma. 115

Seria preciso atentar especialmente até que ponto o conceito de “necessidade da escola” oprime a liberdade intelectual e a formação do espírito. 116

Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas se a barbárie, a terrível sombra sobre a nossa existência, é justamente o contrário da formação cultural, então desbarbarização das pessoas individualmente é muito importante. A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Deste dever o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas possibilidades. 117

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